No canto de uma quadra de futebol, José Pedro, que completará 18 anos nesta semana, conversava na última sexta (3) com a namorada, Pâmela, grávida de oito meses, e a mãe, Roberta —todos os nomes são fictícios.
“Ainda bem que ele está aqui. Acho que está protegido. Lá fora, da turma de oito amigos dele, cinco morreram e dois estão presos. O outro é ele, que está aqui”, diz a mãe.
“Aqui”, no caso, é a unidade Cedro da Fundação Casa, a antiga Febem, na rodovia Raposo Tavares, zona oeste de São Paulo. É a segunda vez que José Pedro é internado —agora por receptação; antes, por tráfico de drogas. “Ele tem professor, tem regras, rotina. Sabe Deus o que teria em outro lugar”, conclui a mãe.
“Outro lugar”, no caso, seria o sistema prisional, se a idade mínima para a prisão fosse menor que a de hoje, 18 anos, como defende o presidente da República eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
O debate em torno da redução da maioridade penal tende a ganhar força a partir de janeiro, quando tomará posse o novo presidente, em um momento em que cresce também o número de jovens vitimados pela violência.
Bolsonaro assumirá um país com 28 mil adolescentes cumprindo medidas socioeducativas por atos infracionais, 24 mil deles em centros de internação, segundo o último levantamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, de janeiro deste ano, com dados de 2016.
Os adolescentes são também as vítimas: enquanto o número de assassinatos no Brasil em 2016 (último dado disponível) foi de 30,3 para cada 100 mil habitantes, entre jovens de 10 a 19 anos foi de 32,2 para cada 100 mil pessoas nessa faixa etária.
Essa taxa foi recorde em 2016 e tem sido superior à média geral desde 2013.
No total, naquele ano, 10.886 jovens de 10 a 19 anos foram assassinados, média de 30 por dia, quase todos eles homens (10.231), a maior parte deles negros (77%) e de estados nordestinos (44%). Agressão é a principal causa de morte dessa população.
O programa de governo do presidente eleito não fala sobre a violência contra crianças e adolescentes. Por outro lado, propõe, de forma enfática, “reduzir a maioridade penal para 16 anos!”.
Bolsonaro tem moderado seu discurso —já chegou a dizer que considerava 14 anos a idade ideal, mas, no final da campanha, afirmou em entrevista à Band que “a nossa proposta é passar para 17, o futuro governo passa para 16. Devagar você chega lá”.
Assim, afirmou ele, “pode ter certeza que reduzindo a maioridade penal, a violência no Brasil tende a diminuir”.
Há uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que já foi aprovada em duas votações na Câmara em 2015 e está parada desde outubro do ano passado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado. O projeto prevê que jovens de 16 a 1 Writing Studio gão foi rebatizado em 2006 e passou por uma série de mudanças, como a descentralização das unidades, que deixou menos adolescentes juntos em cada instituição.
Ainda há revoltas e denúncias —em 2016, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos impôs medidas cautelares aos internos do Complexo Raposo Tavares da Fundação Casa após denúncias de maus-tratos. A entidade diz que passou por revitalização do espaço, revisão do projeto pedagógico e formação de equipes de profissionais.
É nesse complexo que fica unidade Cedro, de José Pedro, do começo desta reportagem. Lá, há até internos que defendem a maioridade aos 16. Como um de 18 anos, para quem isso poderia fazer os adolescentes pensarem duas vezes antes de cometerem crimes.
Na manhã de sexta, Mateus (nome fictício), 18, recebia a namorada —eles se encontram uma vez por mês.
“Se alguém vier me chamar para fazer qualquer coisa, não vou cair em tentação. Vou estudar, fazer um curso de Excel avançado, manter a mente ocupada”, diz ele, que sonha em trabalhar com tecnologia da informação e gosta de ler para passar o tempo —o último livro foi o espírita “Triunfo Pessoal”, embora ele seja católico.
Um dos quartos da unidade precisou ser adaptado para receber Ricardo (nome fictício), 19. Há dois anos, ele tomou um tiro nas costas ao tentar roubar a moto de um delegado e se tornou cadeirante.
O crime ocorreu na avenida Corifeu de Azevedo Marques, na zona oeste de SP. Ele estava com um amigo, que morreu na hora. Passou 17 dias internado. Hoje, consegue mexer uma das pernas.
Esta é a quinta passagem de Ricardo pela Fundação Casa, desta vez por roubo —é investigado também por um latrocínio, que ele nega. Hoje passa a maior parte do tempo estudando: quer ser advogado. Se não der, torneiro mecânico.
Na sexta, escrevia uma carta para a mãe, que vive em Osasco e faz bicos como faxineira e cozinheira para sustentar os oito filhos. “Estava contando como é minha vida e dizendo que estava tudo bem, que ela não precisa se preocupar. Fiz minha mãe sofrer e hoje estou aqui, na cadeira. Quero outra chance”, diz ele.
Fonte: Folha de São Paulo Writing Studio