Blog do Adilson Ribeiro

Sábado – 14:27 – Em grampo, mãe que era olheira do tráfico avisa ao filho sobre bando rival: ‘Os garotos quase invadindo aí e vocês dormindo’. Veja Abaixo:

A operação “Futebol Clandestino”, desencadeada na última quinta-feira pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio, trouxe luz à atuação de diferentes quadrilhas que, interligadas, agem no domínio do tráfico sobretudo em áreas do Sul Fluminense. Nas centenas de ligações interceptadas pelos investigadores com autorização judicial em cidades como Barra Mansa e Volta Redonda, é possível observar diálogos que confirmam não só o perfil violento dos traficantes, como a participação de mães dos criminosos como olheiras do bando e a cooptação até de motoristas de aplicativo em invasões a territórios rivais ou na venda de drogas.

O nome da ação, que teve 37 mandados de prisão cumpridos nesta quinta, baseia-se em um dos vários grupos de WhatsApp com mais de uma centena de traficantes que foram grampeados durante meses de investigação. Ao todo, a operação coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ) e da 90ª DP (Barra Mansa) visava cumprir 87 mandados de prisão, sendo 20 contra mulheres, e 112 de busca e apreensão.

Várias das conversas interceptadas pelos investigadores entre alvos da operação demonstram que, em vários dos núcleos da quadrilha, há participação, não só de várias mulheres em postos hierárquicos, como de pessoas da mesma família. Em vários diálogos é possível observar mães avisando aos filhos sobre a presença de policiais ou de traficantes rivais. Em um deles, em Barra Mansa, a mãe de um dos investigados chega a dar uma bronca.

Investigado: Oi

Mãe: Tá aonde? fica dormindo demais aí, fica.

Investigado: Quê?

Mãe: Fica dormindo demais. Os garotos quase invadindo aí e vocês dormindo.

Investigado: Ah, acha que eu não tô ligado não?

Mãe: Do jeito que vocês estão tomando conta da boca? debaixo da cama.

Investigado: Os canas tão passando, a (…) falou.

Mãe: Ah, os canas. Se fosse os canas tava bom. Os canas…

Investigado: O que a (…) falou aí?

Mãe: Os garotos aí que estava aí tudo na rua em cima tudo de tocaia.

Investigado: Tocaia?

Em Volta Redonda, trocas de mensagem e ligações também comprovaram que uma dessas mulheres, alvo da operação de quarta-feira, Andréa Dias Pereira, também tinha ligações com a gerência da quadrilha e avisava ao filho sobre a presença de policiais.

Andréia: Alô

Filho: Oi, mãe

Andréia: Tem só uma lá, lá embaixo só… lá perto da churrasqueira… eu mão sabia que você tava de plantão, o (…) veio aqui e eu pensei que você tava lá quieto!

Filho: Eles estão na churrasqueira?

Andréia: Tão lá na churrasqueira, tem só uma barca lá só!

Filho: Tu tá na rua?

Andréia: Não, subi agora (…) vou descer de novo lá.

Filho: Tá bom, vou esperar tu descer pra rua pra mim sair

Andréia: É, mas fica ligado, cê viu que ontem eu fiquei sabendo que eles entraram aí e depois tava cheio de P2 aí atrás tá. Nem aqui eu tava, mas fiquei sabendo.

Outras conversas também mostram que é em família que o traficante Emiliano de Melo, vulgo Favela, age para dominar o tráfico em Barra Mansa. O filho, Alan Lucas Eurico de Melo, vulgo AL, agia, entre outras atividades, providenciando armas para o bando. Ele entrou no radar dos investigadores quando recebeu ordem de dentro do presídio para fornecer armamentos à quadrilha para que duas irmãs gêmeas ligadas a um traficante rival fossem assassinadas. A mulher de Favela, Josiane da Silva Eurico de Melo, conhecida como Gogó ou Tia, também agia junto ao marido, exercendo perfil de liderança na organização criminosa.

Os diálogos mostram também um outro lado da relação familiar. Uma ligação interceptada ilustra o desespero da avó de um outro criminoso da quadrilha no bairro Jardim Belmonte, em Volta Redonda, momentos após sua casa ter sido invadida por traficantes que queriam a cabeça do neto.

Avó: Meu filho veio dois caras aqui que vai te pegar, falou que vai te pegar e acabar com você meu filho

Investigado: Fica tranquila vó, é o (…), vó

Avó: Mas tem mais dois junto com ele (…) Diz ele que vai vim aqui e vai acabar com você

Investigado: Pode ficar tranquila

Avó: Meu filho não posso ficar tranquila não. Você é meu filho, gente. O que que aconteceu , fala.

O investigado, então, conta que para a avó que estava com a namorada, no momento em que apontou para um traficante, o que teria causado sua ira. O diálogo continua:

Avó: Não sai pra fora não, meu filho.

Investigado: Pode ficar tranquila, vó.

Avó: Diz ele que você é bandido, “vamos ver só o bandido que é”.

Investigado: Vó, to conversando com o dono do Jardim

Avó: Que jardim?

Investigado: Do Jardim Belmonte. Ele falou que se alguém encostar ele vai tomar as providências dele.

Avó: Pois é, meu filho, mas não sai na rua não.

Investigado: Eu vou sair na rua, sim, vou continuar saindo normal (…) Para de chorar vó, você vai passar mal aí.

Avó: Eu tô passando mal já.

(…)

Investigado: Tá bom, vó, já falei que tá bom, vó, para, você me liga chorando você me deixa nervoso.

Avó: Não, eu ligo chorando porque meu filho, você é meu filho duas vezes, você sabe disso, eu to chorando porque o cara fala…

Investigado: Vó, ninguém vai me encostar a mão não, vó. Ninguém vai me encostar a mão. Eu luto pelo (nome da facção), vó, eu dou tiro em polícia, eu dou tiro em quem for, vó, quem que é v* para me encostar a mão, se me encostar a mão eu vou meter bala nele, vó, e acabou.

Avó: É, (nome do investigado), para!

Investigado: Não, que para com isso o quê, vó, você já me ligou, já me estressou, já quer ficar me ligando chorando… tchau, vó.

Invasões e perfil violento na quadrilha de Barra Mansa

Entre as conversas interceptadas pela polícia, às quais O GLOBO teve acesso Writing Studio enaro, com auxílio até de um motorista por aplicativo que presta serviços para o bando.

Banana: Qual vai ser daquela visão lá de hoje?

Comparsa: Qual? Dos menor ou das mulé?

Banana: Dos menor lá!

Comparsa: Tem que ver o que nóis vai fazer, tem que arrumar…

Banana: Pô, aqui…será que aquele cara não leva nóis lá em baixo não? (referindo-se a um motorista de aplicativo)

O diálogo continua e eles discutem sobre o papel do motorista no ataque:

Comparsa: Ele levar pra fazer isso daí e pá, não, ele não leva não…aí levar deixar nóis lá e nóis depois pá, ele faz!

Banana: Então, só vai levar e deixar nóis lá fi…Aí tu vai articular com o menor, entendeu? Nóis vai tá esperando ele já! Entendeu? Vai mais um maluco com nóis aqui (…)

Comparsa: É, ele tá aí!

Banana: Tá, ele falou que vai também…nóis vai aqui, e terça feira nóis vai lá no São Genaro tomar aquelas droga tudinho lá, do Genaro lá!

No dia seguinte, 6 de outubro, já depois do ataque em São Genaro, uma nova interceptação revela uma conversa entre Banana e um homem que demonstra ser uma espécie de “espião” na localidade rival. O traficante se vangloria pela quantidade de tiros disparados contra a quadrilha rival, enquanto o outro homem, que também exalta a ação, reforça a quantidade de tiros que inclusive quase o acertaram. Com naturalidade, ele chega a afirmar que tirou o filho do local para que ele não fosse atingido. Nesta invasão, segundo inquérito da Polícia Civil, dois homens foram baleados.

Homem: Cêis que foram lá ontem né?

Banana: É a tropa do inguica rapá!

Homem: (Risos) Vocês deram uma rajada hein!

Banana: Escutou lá, escutou?

Homem: Escutei pô, eu tava na rua!

Banana: Tiro pra c* né? Aí, o (…) fechou o bar rapidinho, fechou não?

Homem: Fechou, mas vocês errou pra c*

Banana: Que erro, nóis tava longe rapá!

Homem: Longe nada, vocêis tava lá perto rapá! (…) Eu falei: c* mais um pouquinho eu ia levar tiro de bobeira hein!

Banana: Ia nada pô, tá maluco? Nóis vai pegar o cara certo, pega o errado não pô! Tiro pra c* né (…) Fala tu?

Homem: Foi de pistola, não foi não?

Banana: Foi mesmo… de pistola e 357… pistola, Magnum 357, 12, bomba! (…) Nóis tá é pesadão (ao fundo, outro membro da quadrilha grita: Eles deram foi sorte!)

Homem: C*, mas foi uma rajada, eu falei: P* que p*, agora f* mané! Eu só tirei meu filho mané… falei: c*, agora f* hein!

‘Por mim, matava’

Interceptações de cerca de um mês antes destas conversas também reforçam o perfil violento de Marcos Elber. Em diálogo com um comparsa, identificado como Peladinho, ele ordena que o homem vá cobrar uma mulher que estaria vendendo drogas sem autorização na área da quadrilha, mas sugere “já executá-la de uma vez”.

Banana: Aí, vai dar para você ir lá amanhã?

Peladinho: na onde?

Banana: Lá na mulher ué

Peladinho: Lá embaixo?

Banana: É ué (…)

Banana: O (…) falou assim que já pode descer, descer de peça já mano

Peladinho: já é

Banana: ele falou mermo entendeu, só chega lá, dá um papo entendeu? dá uma ideia, chama pra vender pra nois se der outro papo já executa mané! (…) por mim, tipo assim, eu já executava de uma vez sabe porquê? o que vai adiantar falar com um, ela vai parar, e aí vai vim outro vai colocar, sempre vai ser assim mermão, sempre.

Peladinho: é a (…) que tá vendendo?

Banana: Isso.

Peladinho: Quem falou pra você que ela tá vendendo?

Banana: O… falou na favelinha. Ai me bateu outra pessoa também aqui.

Peladinho: então amanhã eu vou lá ver (…)

Banana: Por mim, já mandava executar. O (…) tá doido pra matar mermo! Por mim mandava matar.

Outro traficante de Barra Mansa e alvo da operação, João Ítalo Duarte da Silva, conhecido como Bolt, que atua no bairro de São Judas Tadeu, também foi flagrado pelos investigadores, em conversa com uma informante, cogitando a morte de uma mulher que, suspeitava, estava passando informações para um policial com quem estava se relacionando.

Mulher: Ela tá ficando com um polícia que é amigo do meu pai

João Ítalo: Qual é o nome dele, cê sabe não?

Mulher: Não (…)

João Ítalo: Tinha que saber o nome dele se é de Barra Mansa, não ta ligado não? (…) Se fosse conhecido que ta dando bote em nois la eu vou crepar essa menina, vou crepar ela.

As investigações

A investigação começou em Barra Mansa, mas, após quebras de sigilo de dados de celulares apreendidos com criminosos presos na região, a polícia descobriu uma estruturada organização criminosa que atuava em várias cidades do Sul Fluminense e em Angra dos Reis. As mensagens, áudios e ligações interceptados reforçaram a violência dos criminosos, que encomendavam a morte de devedores, traficanes rivais e policiais que atuam naquelas regiões.

A denúncia feita pelo MPRJ mostra que a liderança do grupo criminoso em Barra Mansa é exercida por Emiliano de Melo, vulgo Favela, que coordena o fluxo de venda de drogas em diferentes localidades, junto com o filho, o denunciado Alan Lucas Eurico de Melo, vulgo AL, que entrou no radar dos investigadores quando, num diálogo que foi interceptado, apareceu recebendo uma ordem de dentro do presídio para que providenciasse as armas para a morte de duas irmãs gêmeas ligadas a um traficante rival. O inquérito aponta que, na quadrilha de Barra Mansa, Alan Lucas é responsável pelo armamento do bando e, também, por fornecer este armamento para a prática de crimes, como execução de inimigos e consumidores e integrantes da quadrilha que não honram dívidas.

Em Volta Redonda, o grupo é liderado por Thiago Cláudio Duarte Chagas, vulgo Thiago Cabeça, segundo os promotores, responsável por coordenar todas as ações adotadas pelos outros integrantes, inclusive o assassinato de usuários devedores e de outros traficantes. Em Barra do Piraí, um dos responsáveis pelo bando é Igor Machado Trindade. A denúncia cita ainda integrantes do tráfico em Resende, Angra dos Reis, na região da Ilha Grande, e na Vila Kennedy, na capital, comunidade apontada pelos investigadores como fonte de drogas para as favelas da Região Sul Fluminense.

Além do grupo “Futebol Clandestino”, que deu nome à ação, os investigadores da Polícia Civil e do MPRJ também tiveram acesso a outros grupos ainda maiores no WhatsApp onde criminosos tratavam sobre toda sorte de ações criminosas da quadrilha. A denúncia cita, por exemplo, um grupo batizado pelos criminosos de “Sul Fluminense”, que contava com mais de 150 integrantes do tráfico de várias cidades do Sul do Rio. Outros grupos descobertos eram usados por traficantes de cidades ou bairros específicos. Outros eram usados pelos chefes das quadrilhas, dentre eles, segundo o MP, um chamado “Controle Pó de 50”, onde os cabeças do bando trocavam informações e faziam a contabilidade da quadrilha

 

 

Fonte: Extra

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