Quando o Rock in Rio surgiu, em 1985, o funk carioca já rolava nas periferias do Rio, não muito longe da Cidade do Rock. Tão perto, tão longe: o maior festival do país demorou quatro décadas para aceitar de vez o estilo que mais representa o Brasil na música pop global há muito tempo.
Anitta reivindicou seu mérito pela entrada do funk no Rock in Rio após a edição de 2022, que teve show bombástico de Ludmilla e outros MCs. A cantora de “Show das poderosas” teve mesmo papel fundamental em 2019, mas não único, nesta inclusão do estilo.
Veja abaixo e entenda oito pontos da chegada do funk aos grandes festivais corporativos. Não há fator único, mas, se for preciso resumir, o mérito da chegada do funk a estes eventos é do próprio funk.
Há 4 décadas, músicos da periferia do Brasil produzem uma música eletrônica original com inovação constante. É, de longe, o estilo daqui que mais dialoga com o pop contemporâneo global. Exemplo: Deize Tigrona, sampleada pela inglesa M.I.A. em 2005, fez turnês na Europa, incluindo participação no Rock in Rio Lisboa 2008 a convite do grupo português Buraka Som Sistema.
Apesar do preconceito e da tentativa de criminalização do funk, o estilo sempre cresceu e gerou ídolos. Em 2013, Roberta Medina, a diretora do Rock in Rio disse que Anitta e Naldo poderiam tocar no evento, mas “não não seriam perfil do evento”. Curiosamente, ela descreveu, em 2013, que “o Brasil é do sertanejo e do axé”, ignorando o funk.
O streaming cresceu e escancarou o tamanho do funk em números do YouTube e mais plataformas – era impossível ignorar. Mesmo barrado de rádios, o funk competia com sertanejo em audiência (como já dito, com diálogo e influência no pop global muito maior do que o sertanejo). E, em 2013, o funk era muitas vezes maior que o axé, já representado no Rock in Rio.
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Ainda em 2013, Beyoncé terminou o show dançando “ah, lelek lek lek…”. Em 2016, quando MC Bin Laden subiu ao palco do Jack Ü no Lollapalooza, o g1 perguntou: por que as estrelas gringas eram mais antenadas e abertas ao funk brasileiro que os próprios curadores daqui? Não vieram respostas, só mais exemplos: em 2019, Kevin o Chris foi ao Lolla via Post Malone.
A popularidade de Anitta gerou outro efeito: a cobrança dos fãs. Em 2017, Roberta Medina foi questionada de novo pelo g1 e disse que o festival “tinha uma pegada mais pop” para justificar a ausência dela. Em 2018, Roberto Medina, pai de Roberta e criador do festival, chegou a elogiar Anitta: “Se ela quiser, será a nova Ivete”. Ele disse que a cantora foi escalada no Rock in Rio Lisboa 2018 e Rio 2019 por “obrigação”.
Em 2019, o festival criou o “Espaço Favela”, palco menor e afastado dos principais, que tinha alguns artistas de funk e outros estilos. A ideia foi controversa e virou verso sarcástico do rapper Djonga: “O mais perto que cês chegaram do morro é no palco favela do Rock In Rio.”
No mesmo ano, a estreia do funk em tamanho proporcional à sua influência e popularidade rolou com Anitta no Palco Mundo. Depois do festival, em entrevista ao jornal “O Globo”, Roberta disse que “teve a sensação de que ela usou playback”. Anitta diz que o espaço foi conquistado apesar de resistência da organização, e que o “funk só estava lá porque foi obrigado a ser engolido pelo festival”. Ludmilla tocou no palco secundário, o Sunset.
O fato é que após o show de Anitta no Palco Mundo a presença do funk realmente aumentou, mesmo que ainda não seja proporcional à sua influência e inovação contínua – vide Camila Cabello dançando “Ai preto” com Biel Do Furduncinho, Bianca e L7nnon. O show de Ludmilla foi um dos melhores de 2022, entre outros de palcos secundários do Rock in Rio.
O funk nos festivais em uma visão ‘da quebrada’
Mesmo que o funk esteja parcialmente inserido nos festivais corporativos com ingressos caros e na indústria, a inovação do estilo continua vindo de onde sempre saiu: das periferias urbanas.
Como os grandes ídolos do funk que seguem “na quebrada”, sem depender de gravadoras e da indústria tradicional, enxergam esse movimento? Uma resposta importante veio do MC Hariel, um dos cantores mais ouvidos do Brasil, que fez só uma participação no Sunset. Leia abaixo:
“Eu acredito que a gente vai ter que fazer o nosso. Nossa ideia nunca foi competir, ainda mais com esses caras que não têm nada a ver com o nosso corre. Fica até chato eu ficar falando aqui que a gente não tem espaço, porque começa a soar como se a gente quisesse “meter o louco”.
A gente não tem espaço, mas também vai conquistar, de um jeito ou de outro. Mas talvez a gente nem queira. A gente quer o que é nosso mesmo. Queremos que nosso movimento consiga fazer o Mundão Girou [DVD ao vivo de Hariel], que o MC Ryan consiga fazer o DVD dele também.